quinta-feira, 19 de junho de 2008

QUANDO O FIM É O COMEÇO


Ninguém está preparado para o fim. Seja previsível, já sentido num aperto no peito pelo jeito como andam as coisas, seja inesperado, como um degrau que não se viu no chão, todo fim é uma perda...Do que se tinha como certo. De planos e perspectivas acalentados. De quem pensávamos ser. Pode ser um relacionamento, um trabalho, sua saúde plena, uma fase da vida - tanto faz. Quando algo acaba, uma parte da nossa história se encerra.E há duas maneiras de lidar com isso: apegando-se ao que sobrou ou começando tudo de novo.


"Recomeçar é nascer outra vez", pensa Dulce Critelli, filósofa e terapeuta existencial da PUC de São Paulo. "Não se trata de partir do zero: já temos uma vida, um passado, um jeito de ser. É a disposição de se lançar ao desconhecido." O que provoca a transformação pode ser pôr em prática o velho sonho de largar tudo e viajar, uma doença, uma paixão ao virar a esquina, a perda do emprego, uma gravidez, a chuva no meio da festa, um acidente. Algumas coisas controlamos - e muitas outras não. Bastante natural, pondera Dulce. "A vida é assim. Não podemos planejar tudo. O inesperado nos convoca, e é preciso lhe dar uma resposta."

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Os gregos estóicos já diziam que, na vida, há dois tipos de acontecimento: os que dependem e os que não dependem de nós. "Aqueles que são de nossa responsabilidade, devemos enfrentar. Já os incontroláveis, não adianta remoer", diz Yolanda Muñoz, filósofa da PUC-SP. Aceitar o imponderável, no entanto, não significa se conformar - mas entender que, diante do que não controlamos, valem mais o esforço das tentativas e as pequenas conquistas do que medir nosso valor (e nossas possibilidades) diante de metas distantes.


Disse outro filósofo, o alemão Friedrich Nietzsche: "O que não nos mata nos fortalece." À primeira vista pode ser difícil encarar, mas o que nos derruba também pode ser o que nos dá forças para levantar. "Para recomeçar, antes é preciso viver cada etapa do problema, sem negar o sofrimento. Não é amanhã que vamos enfrentar tudo: é aos poucos", fala Yolanda. A resposta, diz ela, está em reunir forças para aprender e se reinventar. Não há fórmulas. Para cada problema e cada pessoa, há mil soluções. "Todos podemos transformar a tragédia num impulso para a vida."


Desenvolver esse potencial de reinvenção, no entanto, tem lá seus pré-requisitos. Primeiro: é preciso desejar. Imensamente. Não é aquele hipotético "ah, que bom seria se...". É lá, na essência, que deve morar a vontade de mudança. "E, então, é dizer sim a esse desejo", fala Dulce Critelli. É a certeza de querer ir em frente que nos ajuda no passo seguinte: renunciar às outras possibilidades e focar no novo caminho. "Por fim, é fazer a nossa parte. O resto, é a vida." E, sim, nada disso adianta se não estamos disponíveis, física e mentalmente, para a mudança.

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"Existe a idéia de que não mudar é mais fácil. Mas resistir à transformação exige ainda mais energia", fala Dulce Critelli. "Faz-se um esforço enorme para reafirmar a cada dia as mesmas convicções e objetivos. Não se permitir fluir diante do inesperado é recusar a vida."


É como no mar: podemos insistir em nadar contra a corrente, desistir e nos deixar levar...ou nadar, sim, mas usando a onda a favor. "Resistir dá a falsa idéia de que podemos prever tudo, e na repetição estaremos protegidos", diz Yolanda Muñoz. As desculpas que costumamos dar para não mudar têm a ver com o apego. "Para recomeçar é preciso enfrentar o novo e abrir mão do que é conhecido e confortável. Isso exige renúncia", diz Dulce.


E, no fim das contas, mudamos de qualquer maneira - porque esse é o ciclo natural da vida. "Todos os dias vivemos e morremos um pouco. Pensamos no recomeço apenas para situações extremas, mas a transformação é constante: é sinal de que estamos vivos" diz Yolanda.


Texto parcialmente retirado da revista SORRIA da editora MOL, onde você poderá ler o texto na íntegra. A revista é encontrada para venda nas lojas da rede Droga Raia e, o valor arrecadado é revertido ao GRAAC (Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer).

Texto de autoria de Roberta Faria com reportagem de Amanda Rahra e Nina Wingrill.

Um comentário:

Manu disse...

É verdade, duro é aplicá-lo no dia a dia.
bj
Manu